segunda-feira, 8 de outubro de 2018

O futuro da política de preços de derivados no Brasil

O novo governo eleito em 2018 terá pela frente um enorme desafio de política energética, que é a definição de uma estratégia para a estruturação do segmento de refino com implicações sobre a precificação de derivados. O novo presidente terá que decidir por dois caminhos possíveis: i) manutenção do quase-monopólio da Petrobras na oferta; ii) promoção da competição no mercado de combustíveis no Brasil. Esta decisão política será essencial para enquadrar o debate sobre as opções regulatórias quanto a precificação de combustíveis no Brasil. Cada um dos caminhos irá implicar em formas de atuação totalmente diferentes no mercado de combustíveis nacional.

No primeiro caso, o debate regulatório que seguirá esta decisão é como defender o interesse dos consumidores em relação à carestia e à volatilidade dos preços dos derivados. Mais particularmente, qual será o papel da Petrobras neste processo. O governo terá que decidir se irá utilizar o caixa da empresa para estabilizar preços, ou se irá buscar novos instrumentos de intervenção nos preços como impostos flexíveis e, ou fundos de estabilização dos preços.

No segundo caso, o debate político e regulatório que se seguirá deverá ser orientado para formas de promover a efetiva competição no mercado de combustíveis. Ou seja, o foco do debate será orientado mais para questões relativas à promoção e defesa da concorrência. Nesse caso, é preciso destacar que a concorrência não é uma construção automática. E mecanismos de estabilização podem ser interessantes no processo de transição para um mercado com concorrência intensa.

Não podemos deixar de considerar estas duas alternativas básicas quando analisamos o debate sobre preços de combustíveis que se desenvolve neste momento. Após a greve dos caminhoneiros e a aprovação da lei que implementou os subsídios nos preços do diesel até o fim de 2018, a ANP e o CADE se mobilizaram num esforço de melhorar a transparência de preços e reduzir barreiras à competição no mercado de combustíveis no Brasil. As principais propostas apresentadas por estes órgãos foram:

(i) permitir que produtores de álcool vendam diretamente aos postos;

(ii) repensar a proibição de verticalização do setor de varejo de combustíveis;

(iii) extinguir a vedação à importação de combustíveis pelas distribuidoras;

(iv) fornecer informações aos consumidores do nome do revendedor de combustível, de quantos postos o revendedor possui e a quais outras marcas está associado;

(v) aprimorar a disponibilidade de informação sobre a comercialização de combustíveis para o aperfeiçoamento da inteligência na repressão à conduta colusiva.

A última proposta (v) é tema de consulta e audiência pública nº20/2018 realizada no dia 03 de outubro pela ANP. A proposta de resolução busca conferir transparência na formação dos preços dos combustíveis, biocombustíveis e gás natural tanto no varejo, quanto no atacado.

No que tange à política de preços, o centro do debate associado com as propostas apresentadas pela ANP é a exigência para os ofertantes dominantes de derivados de petróleo apresentarem uma fórmula paramétrica de preços.

Todos os produtores e importadores de petróleo estariam obrigados a enviar à ANP informações de preço de todos os produtos à venda, em cada ponto de entrega, sempre que houver reajuste de preços e, ou alteração dos parâmetros da fórmula. No caso dos agentes dominantes a ANP publicaria imediatamente as mesmas informações no seu site. Os agentes econômicos que possuem participação de mercado regional, por produto, igual ou superior a 20% seriam obrigados a publicar, em seu próprio site na internet, a fórmula paramétrica utilizada para precificação do produto e o preço de lista. Para os demais casos, a ANP publicaria anualmente as informações com defasagem mínima de 24 meses. O preço efetivamente praticado não poderá divergir do calculado mediante fórmula prevista em contrato.

A minuta estabelece que o preço parametrizado dos derivados [1] deve seguir fórmula que contenha, no mínimo, as seguintes parcelas:

Mecanismo semelhante foi praticado no período de transição de uma estrutura de monopólio para uma estrutura de mercado liberalizada em todos os segmentos da indústria. Com a promulgação da Lei do Petróleo (Lei nº 9.478/1997), uma nova estrutura de preços de petróleo e derivados foi estabelecida. No período de transição (1997 – 2002), foi estabelecido fórmula paramétrica para o cálculo do preço do querosene de aviação (Portaria MF/MME n.º 51/93), e determinação do preço de asfalto nas refinarias (Portaria DNC n.º 13/97). Além disso, foi determinado um preço de realização [2] inicial, P0, definido para cada derivado, refletindo o custo operacional da empresa e uma margem de lucro.

Esse preço de realização foi calculado a partir dos custos alternativos de importação dos derivados pela Petrobras. Para cada derivado, utilizou-se a seguinte fórmula paramétrica: P0 = Preço FOB nos mercados tidos como referência + frete marítimo de longo curso + seguro + imposto de importação + AFRMM (Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante).

Apesar dos quinze anos passados desde essa transição, o resultado é ainda um mercado não concorrencial, em razão da presença dominante da Petrobras, que possui um monopólio de fato no refino de petróleo. Ainda que as importações de derivados tenham relevância, como ocorreu no período recente, essas não são suficientes para evitar o exercício de poder de mercado da empresa líder.

A fixação de uma fórmula de preços é uma política condizente com a primeira estratégia de organização do mercado de refino, ou seja, a manutenção do quase-monopólio da Petrobras. Neste cenário, a fórmula poderia contribuir para proteger a empresa de interferência política que poderia obriga-la a vender derivados com preços desalinhados das referências do mercado internacional. Ao mesmo tempo, protegeria os consumidores de abusos de poder de mercado da empresa.

Por outro lado, numa visão de promoção da concorrência, o papel da transparência é o de viabilizar o monitoramento do mercado pelos órgãos de defesa da concorrência, na identificação de abusos de poder de mercado pela empresa líder do mercado, em particular no que tange à prática de preços predatórios para barrar novos entrantes. Neste caso, o fundamental não é saber como os preços foram formados, mas qual é o preço praticado pelos agentes nos principais submercados de combustíveis. A ANP e o CADE teriam acessos aos preços praticados pelos agentes no mercado atacadista, da mesma forma que agências de monitoramento de preços (Argus, Platts), que por sua vez divulgariam a média dos preços praticados por submercado aos seus clientes. Em mercados efetivamente competitivos, como o Norte-americano as ações de defesa da concorrência são pautadas pelo acompanhamento contínuo das condições de mercado, que permitem a identificação de práticas abusivas.

Além de políticas de promoção da competição, existe ainda a possibilidade de introdução de instrumentos regulatórios de mitigação da volatilidade e da carestia que não distorcem o funcionamento dos mercados de derivados. Este seria o caso de uma política de impostos flexíveis que busquem atingir uma meta de arrecadação no setor, e que contribuam ao mesmo tempo para reduzir a volatilidade dos preços.

No entanto, a adoção de fórmula paramétrica não seria adequada nesse cenário. A divulgação de estratégia de precificação da empresa dominante limitaria a efetividade da competição, já que a líder perderia a possibilidade de a empresa responder no curto prazo às ações de concorrentes. A tendência seria um comportamento conservador da empresa líder, com a definição de preços que prevenissem a entrada de rivais.

FONTE: Infopetro 04/10/2018